sábado, 20 de março de 2010

(7) UM INTERVALO ...

Meus caros amigos humanos!
Aqueles que por ventura tiveram a paciência de ler (até aqui!...:) este meu Blog, são realmente uns "queridos".
Pacientes e condescendentes.
O problema é que, quanto mais simpáticos e compreensivos somos mais abusam de nós. Certo?
E querem um exemplo?
Desafio a que leiam um "flagrante da vida real" escrito pelo meu dono, aqui há uns anos e que, sem lhe dar "cavaco", passo a publicar após este intróito.
É um pouco extenso. Mas, o meu dono é como eu, quando começo....
Muitos MIAUS, agradecido pelo vosso apoio e já agora, convido-os a darem uma vista de olhos ao que segue.
Prometo um ...

FINAL FELIZ!

(MAIO 2001)

I

A

cabeça pendia-me de cada vez que pretendia endireitá-la. O pescoço não tinha a força necessária para a manter equilibrada. Caiu novamente sobre um tecido áspero, que não absorveu a queda. Um estrondo sacudiu-me todo o corpo, amplificado até à náusea, percorrendo todos os ossos escassamente cobertos pela pouca carne que os envolvia.

A fome e a sede criavam-me a sensação de flutuar naquela escuridão total.

Estava escuro como breu, o que tornava impossível determinar as dimensões do espaço que me rodeava. Devia ser tão grande quanto a própria escuridão... ou talvez não. A fraqueza baralhava-me os sentidos. O forte eco dos sons da agitação dos meus irmãos que brincavam um com o outro, sortudos pela refeição que lhes tinha sido fornecida havia pouco, deu-me a sensação de me encontrar numa vasta área com um pé-direito descomunal. Ou seria uma ressonância interior, uma partida da minha cabeça oca, esvaída?

Tentei arrastar-me até encontrar a origem de uma pequena aragem que, a pouco e pouco, se intensificava e me atingia numa das coxas. Provavelmente estaria perto de alguma porta ou janela que subitamente permitira a entrada daquela aventurada sensação de fresco. Calculei que seria já de noite.

Aliás, a noite vinha sendo a minha companheira há largo tempo. Desde quando? Não fazia ideia. Algures desde que os meus olhos falhos de limpeza se recusaram a abrir. O esforço para elevar as pesadas tampas que os cobriam era demasiado para as parcas forças que ainda me restavam. Deixei-me ficar esperando que a brisa aumentasse de intensidade.

I I

O buraco, no local onde deveria existir um estômago fazia sentir-se dolorosamente. Não me recordava da última vez em que usufruíra de uma refeição. Séries de arrepios percorriam-me o corpo a intervalos cada vez menos espaçados. Na fraca memória vagueava o registo (quando?) do forte odor da comida à qual não me fora possível chegar. Não por falta de vontade, mas por falta de forças que me permitissem arrastar até ela. Não tinha a mínima noção de quando me chegara às narinas aquele cheiro que, por falta de hábito, me surgira demasiado forte, a pontos de me ter sentido tão enjoada que, apesar da fome, não me foi possível engolir o que quer que fosse.

Os meus irmãos tinham-se servido do pouco que nossa mãe nos dispensava. Atiraram-se à comida, empurrando-me, como se eu não existisse. Pensavam realisticamente que a comida que me fosse dispensada, não só seria insuficiente para me manter de pé, como ainda os privaria de uma ração para eles indispensável. Provavelmente, pensavam que eu já tinha passado para “o lado de lá”. Havia alguma razão para a sua atitude. Não deixava de ser um raciocínio lógico, face à minha longa imobilidade. Apenas uma empenhada atenção e um apurado e sensível sentido auditivo dariam para detectar a minha quase inexistente respiração. Não me mexia, e por muitos esforços que fizesse para abrir a boca na tentativa de emitir qualquer som, as minhas cordas vocais não funcionavam.

I I I

O “caniche”, branco de neve, corria e ladrava desaustinadamente enquanto subia e descia as escadas exteriores da vivenda.

Saltava no ar, dava meia volta, corria para a frente e para trás sem nexo nem destino, enquanto ladrava como se o mundo estivesse para acabar. Corria mais do que devia. As unhas - apesar do esforço, denunciado pelo ruído do atrito no chão - não conseguiam fazer parar aquele monte de pêlo lãzudo. Então, para meu gozo, ele embatia com alguma violência contra a casota, ou a parede, ou a porta, ou qualquer outro obstáculo à sua frente, que o idiota, cegueta, tonto com as desmioladas cabriolas, não vira. Então, por um momento, ficava calado e “disfarçava” com uma corridinha em direcção às pernas da dona, pelas quais parecia estar disposto a subir, na esperança de ver a gracinha premiada com uma carícia.

O raio do bicho tinha uma fileira de dentinhos que não conseguia esconder dentro da boca, mesmo quando fechada. Não metia medo - mas irritava - aquela boca, qual gaveta empenada que sem possibilidade de encaixar no móvel a que pertence, fica eternamente a mostrar o conteúdo no seu interior.

De vez em quando arremetia direito a mim. Os meus irmãos também eram vítimas da mesma atitude. Minha mãe lá ia tentando controlá-lo receosa que, nos seus movimentos desastrados, pusesse em perigo a integridade física dalgum dos elementos da família.

Eu encolhia-me sentindo os movimentos à minha volta. Se ela não resolvesse o problema eu não teria condições de fazer face ao perigo que o canídeo representava. Inconscientemente adivinhava que seria eu a sacrificada, caso a situação ficasse subitamente fora de controlo.

Os meus dois irmãos, ainda que apenas bebés, mostravam alguma relutância em tratar-me como um igual. Resolveram pôr-me à margem. Efectivamente, não era muito igual... Como último de trigémeos, a nascer, eram logo notadas algumas diferenças na comparação com os meus irmãos. Mais pequena, movimentava-me com dificuldade, chorava com frequência, as ramelas acumulavam-se e para mim era notório que minha mãe dispensava mais atenções maternais aos “outros dois”. Eu ficava no meu canto, possivelmente com aquele ar de quem pede desculpa por ter nascido. Enfim, dei comigo a sentir-me como uma intrusa.

E entretanto, o “caniche” não nos dava descanso. O cãozinho era pertença da dona do imóvel e portanto seríamos nós a ter de nos mudar para sossego e descanso da minha mãe e dos seus filhos: meu pai raramente aparecia em casa... Aliás, eu nunca o vira...

Urgia encontrar uma solução!

A PRIMEIRA MUDANÇA

O som dos latidos, vagarosamente, ia ficando para trás, enquanto eu era transportada pela minha mãe, para longe daquele que, na minha lembrança, fora o meu primeiro lar, cada vez menos seguro.

A tenra idade não permitia que me deslocasse pelos meus próprios meios. Assim, minha mãe levou-me. Pegou-me desajeitadamente com uma sacudidela tão forte que, fez com que conseguisse abrir os meus olhos fechados desde há muito. Aterrorizada, dei conta de me encontrar a uma distância sem fim do chão, que deslizava a uma velocidade vertiginosa. A sensação de vertigem terminou quando fui depositada na minha nova cama, desta vez sem qualquer resguardo, no solo.

Passada a excitação da minha pequena primeira viagem, senti um frio tremendo tomar conta do meu corpo. Gemi e com um arrepio procurei encostar-me aos meus irmãos enquanto minha mãe nos aconchegava apertando-nos uns contra ou outros e contra ela própria, consciente da importância de lutar contra aquela brusca diferença de temperatura. O frio ia aumentado cada vez mais, à medida que as horas passavam. Encolhi-me o mais possível tentando guardar o pouco calor que o meu corpo ainda produzia.

...................................................

Quanto tempo permaneci inconsciente não me é possível recordar.

Seria aquela a sensação quando se deixa o número dos vivos? Era algo de etéreo, muito forte, aquela repentina, pesada e estranha sensação de bem estar.

Finalmente a paz envolveu-me com a crescente e implacável escuridão.

A SEGUNDA MUDANÇA

Estranhamente, nada tinha de espiritual o calor que me acordara: era bem material, nada etéreo apesar de parecer que flutuava. Estava mais uma vez de viagem e, desta feita, o que quer que fosse que me levava, era algo que emanava um calor extraordinariamente confortável. Uma matéria desconhecida para mim: suave, quente, com um perfume delicioso, embriagante.

Um poderoso batimento regular, forte, relaxante, embalava-me transmitindo calma e confiança, recordando-me o pulsar do coração de minha mãe quando, em tempo já distante e muito raramente, me aninhava em seu peito, procurando na mama uma refeição que nunca me satisfez. Era algo de paradisíaco o quer que fosse que naqueles momentos eu experimentava. Lá consegui forças para encostar o ouvido àquela fonte de vida. Pressenti que a minha vida iria mudar… para melhor.

--------------------------------------------

Depois de abrir a porta do carro e de me sentar, desci a Maria do meu abraço junto ao peito e aninhei-a no meu colo.

Dali a pouco começaria a viagem de Manta-Rôta para Lisboa e também a tarefa de trazer à vida uma moribunda.

ABRIL 2008

Depois de muitos cuidados em casa e de apoio clínico, a “Maria” sobreviveu. Tem agora 6 anos e vive tranquilamente como qualquer felino bem tratado. Boa companheira, alegre, tem por vezes olhares que parecem agradecer ter sido arrancada a uma morte certa. Por vezes é visitada pelo irmão que trouxemos em nova viagem ao Algarve, passados cinco meses da vinda da Maria. Uma nossa vizinha e amiga, cativada pelas maneiras da Maria, ao saber da existência de dois manos, pediu que trouxesse-mos um deles para ela adoptar. E lá veio mais um algarvio para Lisboa: o “Patinhas”, como fora por nós baptizado, pelo seu hábito de estender as patas com frequência pedindo “mimos”, vive pachorrentamente, sozinho, com a dona que o cumula de atenções. De vez em quando sobe a escada, vigiado pela dona, para visitar a “mana”.

………………………………………………………………………….

A Maria foi poupada de saber que o mano mais velho, terceiro e último da ninhada, não sobreviveu a um atropelamento, perto do local onde nasceu…


2 comentários:

  1. QUE COISA MAIS FOFA DA PARTE DE VCS....

    QUE QUERIDOS QUE VCS SÃO...

    PARABÉNS AOS DOIS...

    BJOS

    ANNE

    ResponderEliminar
  2. bolas,,,palavras para quê ?,,,ou não conheçesse eu tão bem ,a MARIA e o PATINHAS,,,só não conheçia integralmente a sua história,,,fiquei sem palavras,,,"""" estes tiveram sorte"""mas quantos preçisavam do mesmo,,,o gato faz um grande favor aos homens,,,que é caçar ratos,,os quais se multiplicariam como praga não fosse esses grandes amigos,,,e não é os que temos em casa não são esses mesmos da rua,,,tinha-mos o dever de lhe retribuir ,,tratando-os bem, e acarinhando-os,,,li há pouco tempo na net,,como iam exterminando os gatos,, no tempo da inquisição,,""por os assoçiarem a bruxarias,,imolaram milhares de gatos,,,alguns com os proprios donos,,,o que originou, uma praga de ratos,, que transmitiram aos homens ,,uma peste ( não me lembro qual,,se foi a peste negra ou outra,,"")e aí foi a vez dos homes pela sua ignorãnçia serem dizimados,,,até que abriram os olhos e começaram a adotar os gatos de estimação,,era tão forte este sentido, que até começaram a fazer parte de legados,,,será que os homens aprenderam com os erros do passado,,,ou,,teem a memória curta,,e vamos pelo mesmo caminho,,,???é ,,os homens têem a memoria curta infelizmente,,,oxalá que quando derem por isso não seja tarde demais,,,um abraço de luz em seu lindo coração

    ResponderEliminar